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Tuesday, July 30, 2013

Pataxó – a luta pela sobrevivência


Um povo guerreiro, que luta hoje para resgatar suas raízes. Uma história que começa muito antes do descobrimento do Brasil.
Por Taís González

Quando Cabral aportou no Brasil, há mais de 500 anos, conheceu os habitantes da nova terra, os tupiniquins, parentes próximos de um povo guerreiro e conhecido por sua agressividade e habilidade com arco e flecha, além de serem nômades e se defenderem como nenhum outro nas matas. Os Pataxó, após séculos de contato com os brancos e de um massacre que quase os eximou, lutam hoje para resgatar sua cultura, tradições e por sua sobrevivência.


A tribo indígena Pataxó está estabelecida no extremo Sul da Bahia. Registros apontam que a aldeia de Barra Velha, existe há quase dois séculos e meio. Nômades por tradição, os índios percorriam as vastidões em busca de alimentos, caçavam pequenos roedores, mamímeros e até pássaros, desde a microrregião do fértil baixo Jequitinhonha, denominada hoje em dia como Costa do Descobrimento, até o norte de Minas Gerais. Sob ferro e fogo, literalmente, a nação teve forte representação no processo histórico e no desenvolvimento da comunidade local,  o que se reflete até hoje.

Atualmente, existem cerca de 12 mil Pataxó, dividos em oito reservas (Águas Belas; Aldeia Velha; Barra Velha, que junto com a de Monte Pascoal formas as aldeias mães; Cahy-Pequi; Coroa Vermelha; Imbiriba; e Mata Redonda) de acordo com o Banco de Dados do Programa Povos Indígenas no Brasil, do Instituto SocioAmbiental (ISA) de 2011. A maior dessas e também a mais urbanizada é a de Coroa Vermelha, localizada nos municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, na Bahia. Local também conhecido por ter sido realizada a primeira missa no Brasil. Hoje os índios contam com aproximadamente, 67 mil hectares de área demarcada (curiosamente, a mesma extensão territorial de uma única fazenda em Nortelândia, pertencente a Camargo Correa, alvo também de dispustas, mas estas com a agricultura familiar local). Os índios desta região possuem um espaço para venda de artesanatos e até um centro para ecoturismo voltado para à disseminação da história e sabedoria indígena. Mas nem sempre foi assim.

A exploração irracional atinge não só nosso irmão operário, indígena ou imigrante, mas também a nossa irmã natureza. A recorrência dessa dilapidação da natureza, da devastação de nossas florestas e da biodiversidade 'coloca em perigo a vida de milhões de pessoas', em especial a vida de 'camponeses e indígenas, que são expulsos para as terras improdutivas e para as grandes cidades para viverem amontoados nos cinturões da miséria', (Documento de Aparecida, n. 473).

Fogo de 51
Segundo a história da tribo, registrada pelo índio Edmundo Santos Pataxó em um texto disponível no site da Prefeitura Municipal de Porto Seguro, o massacre foi causado por policiais militares do estado. A acusação seria a de os índios terem assaltado um comerciante do povoado de Corumbau, na realidade, o assalto ocorreu, mas segundo evidências foi efetuado pelos “tenente e engenheiro”, dois homens que se auto denominavam como tal e que apareceram na aldeia para “ajudar os índios à aprender o português entre outras “benfeitorias”. O fato desencadeou revoltas entre os não-índios o que culminaram no que é conhecido como o 'Fogo de 1951'.

Por 40 dias, na Aldeia de Barra Velha, meninas foram estupradas e homens, espancados. Muitos precisaram se submeter à escravidão porque ficaram sem opção. Oito anos antes, o governo havia criado o Parque Monumento Nacional do Monte Pascoal e expulsou os índios que viviam nesse território. Começara aí a dispersão dos pataxós em pequenos povoados.

“Muitos decidiram ficar na mata tentando preservar a cultura. Meus parentes são alguns desses. Temos  jogos e rituais, o da Lua Cheia, o do casamento, o do batismo que não poderiam ser esquecidos. Já alguns, com medo de serem mortos ou explorados de alguma forma, misturaram-se com os brancos e por anos não disseram ser índios, diziam 'sou cabloco'”, conta Nitynawã Pataxó, uma das lideranças indígenas.

Nitynawã Pataxó

Violência contra parentes
É assim que os indígenas de outras etnias se tratam, “parentes”. Uma ação contra um parente, reflete em todos os povos. O número de assassinatos de indígenas em 2012 aumentou para 60 vítimas, nove a mais em relação ao ano anterior. Mato Grosso do Sul continua sendo o estado com o maior número de ocorrências com 37 casos. Os dados foram publicados no “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, uma publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a omissão em relação às demarcações das terras indígenas pelo atual governo federal foi apontada como uma das principais causas do aumento de diferentes formas de violências contra esses povos. Outro número alarmante que o Relatório indica é o crescimento de 237% na categoria "violência contra a pessoa" - que engloba ameaças de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporal e violência sexual, ainda em relação ao ano anterior.

“Em vez de falarmos em diminuição, lamentamos dizer que as situações se repetem e houve um aumento de diversas formas de violência contra os povos indígenas no Brasil. O maior problema é a falta de demarcação de áreas indígenas. Não tomar providência em relação à delimitação das áreas indígenas significa escancarar as portas para qualquer tipo de invasão. Invasões que geram mortes”, enfatizou de modo veemente Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Cimi, no lançamento do relatório que ocorreu em junho último.

Ademir Riquelme Lopes, da comunidade de Pyelito Kue, foi o autor de um texto que chamou a atenção do país, a partir daí um abaixo-assinado circulou pela internet e redes sociais, e levou milhares de brasileiros a adotarem o sobrenome “Guarani Kaiowá”. O local onde Ademir vive fica no município de Iguatemi (MS), e sua carta foi divulgada após a 1ª Vara Federal de Naviraí (MS) ter determinado que 170 indígenas saíssem dali. Provavelmente, depois de tamanha repercusão e pressão, ao final de outubro do ano passado, foi suspendidas a decisão liminar que determinava a expulsão e a multa de R$ 500 ao dia fixada pela Justiça de Naviraí.

Possivelmente, a carta não tiria repercurtido da mesma maneira se não fosse a erronea interpretação de que eles estavam anunciando um suicídio coletivo. O que não foi o caso. No entanto, os dados apontam que o suicídio está causando um genocídio silencioso no Mato Grosso do Sul. Nove Guarani Kaiowá se suicidaram em 2012, já entre os anos de 2003 e 2010 foram 555 suicídios. Ameaças constantes, confinamento a que são obrigados a se submeter, além de outros tantas questões como saúde (do orçamento de quase R$ 68 milhões previstos para saneamento básico nas aldeias, apenas R$ 86 mil - 0,13% - foram utilizados; para a estruturação de unidades de saúde, apenas R$ 26 mil - 8,70% - dos R$ 2,3 milhões foram liquidados), descumprimento de leis que têm como objetivos protegê-los (do R$ 1,5 milhão previsto para apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades, apenas R$ 75 mil - 5,06% - foram gastos em 2012) e lutas completamente desiguais têm grande impacto nos comunidades indígenas, 23 suicídios foram registrado no Brasil ano passado.

Dom Bruno Pedron, Bispo da Diocese de Ji-Paraná (RO) e do Cimi Regional Rondônia escreve em carta divulgada no site da Cimi em 08 de julho deste ano, “o Estado brasileiro continua explorando, dizimando e discriminando os povos indígenas. No compromisso assumido, o Cimi e a Igreja denunciam a violência contra os povos indígenas no Brasil. Racismo, genocídio, danos ambientais nas terras indígenas, morosidade na regularização de terras e morte por desassistência na área de saúde e outros são os tipos de violência cometida contra os povos indígenas”. E ainda, “diariamente os povos indígenas são vítimas de discriminação, preconceito e marginalização por parte da sociedade envolvente. Sofrem todo tipo de violência, não bastasse todo o genocídio ocorrido há séculos. São violentados por quem tem o dever moral de protegê-los, o Estado brasileiro, através das constantes tentativas de mudanças na Constituição Federal, como é o caso das PECs 215, 038, 237, do PL 1610 (mineração) e das portarias 303 e 308, que atentam diretamente contra os direitos já garantidos na Constituição Federal”.

Pataxó - Povo resiliente
O povo Pataxó hoje trabalha no resgate da sua cultura. Apesar de enfrentarem grande preconceito, de uma maneira diferente, atualmente. Não são poucos os casos de serem tratados como descendentes e não mais indígenas, isto ocorre por estarem misturados e bem próximos dos não índios, além do atual estilo de  vida e recursos que utilizam para sobreviver.

Carlos Santos Pesca ou Pardal Pataxó.

Pardal Pataxó, nome indígena de Carlos Santos Pesca, explica ser hoje possível registar um nome indígena para as crianças e que viver entre as duas culturas é aceitável. “Recentemente começei a trabalhar para uma empresa de turismo como motorista em Porto Seguro, mas moro em Coroa Vermelha com meus dois filhos que são com uma branca. Podemos casar com brancos, mas não podemos realizar a cerimônia indígena com eles”, enfatiza Pardal, como é mais conhecido.

A liderança indígena do local, Nitynawã Pataxó diz que na reserva da Jaqueira eles têm escolas bilíngues, centro de pesquisa da língua, além de comemorarem os rituais mais tradicionais como o Awê, o da Luz Cheia, o do casamento, entre outros. “Estamos tentando recuperar a língua Patxohã e já catalogamos mais de duas mil palavras e montamos um dicionário. Aqui na reserva temos escolas bilíngues para as crianças e adultos, vendemos artesanato e podemos mostrar um pouco da nossa cultura, de como vivemos e de como a natureza é importante para nós aos brancos”.

Neste sentido o turismo virou uma alternativa para a economia do povo, que tinha a pesca e o manejo de piaçava como atividades, entretanto, um dos dois rios que passam na reserva está poluído, no outro, os peixes são pequenos. “Para conseguir viver e conseguir preservar a mata e os povos, precisamos abrir para os de for a entenderem. A agricultura é para nosso consumo e há tempos não caçamos animais. Quando conseguimos o direito para viver nesta terra, a mata era pouca e quase não víamos animais nela, hoje temos aqui jaguatirica, muitos pássaros e até onça-pintada. Trabalhamos essa consciência porque senão daqui a pouco não teríamos mais animais”, conta  Nitynawã.
Índia Nitynawã Pataxó.

Para o antropólo e pesquisador de culturas tradicionais formado pela Stockholm University, Bob Van Den Eijkhof, apesar ocorreu uma diáspota entre o povo Pataxó, algo muito ruim que fez com que o povo perdesse um pouco da sua identidade, mas não é só porque este povo não caça mais que significa não serem mais um povo. Pelo contrário, quando esta população se reúne para resgatar suas raízes o sentimento que aflora é ainda maior e querem preservar o que de mais valioso têm, suas tradições. Por este mesmo motivo, observamos vários povos que dão nomes aos não pertencentes daquele grupo, como 'muzungos' em muitos países da África, 'gadjós' para os ciganos e no caso dos povos indígenas no Brasil, 'brancos'”.

Entretanto, para Bob, quando algo assim acontece é preciso delimitar fronteiras para que direitos sejam respeitados. “Há diferentes fronteiras para defender culturas diferentes. Como os índios tradicionalmente precisam das florestas para sobreviver e cultuar suas raízes, o que é algo maior e talvez não entendamos, por está conectado diretamente com a identidade deste povo”, comenta. “Porém, outro olhar é necessário, o homem em si se autoproduz reproduzindo o meio que o circunda, ele faz cultura e esse é um processo de refazer e ressignificar. E achar que o índio precisa ser o que achamos que ele deve ser é um olhar ainda colonizador”, explica.

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